Na contramão daquele hit do milênio passado, observações astronômicas não obtiveram sucesso em localizar nada parecido com uma lua de cristal pela galáxia. Desculpe, Xuxa. Mas pesquisadores da Universidade de Warwick, na Inglaterra, acabam de anunciar a descoberta de um corpo celeste ainda mais precioso: um sol de cristal. Publicado na revista Nature, o artigo descreve a primeira evidência direta de que estrelas se cristalizam.
Mas essa sina é reservada apenas a uma categoria estelar específica, as anãs brancas, que são o terceiro e último estágio evolutivo na vida de estrelas como o Sol, pouco ou médio massivas. Quando todo o hidrogênio que as mantêm ardendo é consumido e transformado em hélio, elas incham e viram gigantes vermelhas. Essa transição deve começar a ocorrer no Sol daqui a 5 bilhões de anos.
A próxima etapa envolve a fusão do hélio em carbono e oxigênio. Se tiver a massa necessária para produzir em seu núcleo altas temperaturas capazes de fundir o carbono e o oxigênio, continuará sintetizando elementos mais pesados, eventualmente metamorfoseando-se numa supergigante vermelha e, em seu último suspiro, numa explosiva supernova. É a história de vida de estrelas cujas massas partem de dez vezes a massa do Sol para cima. Mas estas são a minoria.
Das centenas de bilhões de estrelas da Via Láctea, 97% compartilham o destino do Sol: incapazes de fundir carbono e oxigênio, os dois elementos vão se acumulando nos núcleos e formam uma massa inerte. Uma vez que todo o hélio for exaurido, a gigante vermelha arremessa para o espaço interestelar suas camadas exteriores, produzindo uma grande nebulosa. Deixa para trás um núcleo denso e compacto, com o equivalente a uma massa solar enfiada em uma esfera de volume comparável ao da Terra. Assim nasce a anã branca.
“É a primeira evidência direta de que anãs brancas se cristalizam, passam por uma uma transição do líquido para o sólido”, diz o astrofísico Pier-Emmanuel Tremblay, líder da pesquisa.
A partir de dados da sonda Gaia, da agência espacial europeia (ESA), os astrônomos da Universidade de Warwick selecionaram 15 mil potenciais anãs brancas em um raio de até 300 anos-luz da Terra. Após analisarem suas cores e luminosidades, encontraram picos de emissão que coincidem com o momento em que modelos teóricos prevêem uma liberação maior de calor. Trata-se de um indicativo de que começou o processo de cristalização.
Teóricos previram o fenômeno 50 anos atrás, mas só agora ele pôde ser observado. Todas as anãs brancas da Via Láctea devem se cristalizar um dia: quanto mais massivas forem, mais rápido vai acontecer. “Isso significa que bilhões de anãs brancas em nossa galáxia já completaram o processo e são essencialmente esferas de cristal no céu”, afirma Trembley. O Sol vai entrar para o grupo daqui a mais ou menos 10 bilhões de anos.
Depois de cristalizados, os átomos de carbono e oxigênio formam uma estrutura metálica extremamente bem ordenada. A pressão extrema deixa os elétrons livres em um gás que segue a mecânica da física quântica. Um fato interessante é que a cristalização desacelera o resfriamento dessas estrelas, e presenteia algumas com bilhões de anos de vida extra. Estima-se que as anãs brancas mais antigas da Via Láctea sejam tão velhas quanto a galáxia, com algo em torno de 13,4 bilhões de anos — e quase perfeitas bolas de cristal.