Carl Sagan: O criador de Cosmos que inspirou uma geração apaixonada por Ciência

A busca de Carl Sagan pela democratização do conhecimento inspirou gerações de jovens a se tornarem cientistas.

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A série Cosmos, realizada por Carl Sagan e sua esposa Ann Druyan nos anos 1980, é um dos mais formidáveis exemplos da amplitude e eficácia que a divulgação científica pode atingir por meios audiovisuais.

A bordo da Nave da Imaginação, livre das amarras do espaço e do tempo, ele podia viajar para onde quisesse, como as pétalas do dente-de-leão sopradas no início do primeiro episódio da série.

Essa nave era o veículo perfeito para transportar mais de 400 milhões de seres humanos, de mais de 60 nações, em uma aventura cósmica.

 

A História de Sagan

Carl Sagan cresceu lendo livros de ciência e ficção científica e depois de adulto, costumava mencionar um episódio que o marcou profundamente: quando seus pais o levaram à Feira Mundial de Nova York de 1939, então com 5 anos de idade, ele ficou maravilhado com os pavilhões futuristas.

“Isso mostrou que havia um mundo para além da vizinhança de classe trabalhadora do Brooklyn. Várias mostras da feira tinham visões otimistas do futuro, inclusive sobre viagens espaciais. Ele reteve aquele otimismo e cresceu para desenvolver sondas”, afirma William Poundstone, autor de Carl Sagan: A Life in the Cosmos.

Entre as coisas que viu naquele dia, talvez a mais inspiradora tenha sido o enterro de uma cápsula do tempo. Foi a base para um dos seus projetos mais emblemáticos: o Disco Dourado, lançado em 1977 a bordo das duas sondas Voyager, que nada mais é do que uma cápsula do tempo gravada em um vinil de cobre banhado a ouro, que já deixou o Sistema Solar e vagará pelo próximo bilhão de anos. É como uma mensagem em uma garrafa para possíveis inteligências alienígenas.

“Ele era, em vários aspectos, comparável a um poeta, que usava os fatos concretos do mundo para transmitir as emoções mais profundas. A relação de Sagan com a astronomia era, de diversas maneiras, uma relação espiritual”, diz Poundstone.

Sagan coordenou a equipe que selecionou 115 imagens e 90 minutos de música que melhor representariam nossa espécie, bem como saudações em 55 idiomas.

O Disco Dourado que viaja na Sonda Voyager.

“Olá das crianças do planeta Terra”, diz a gravação no Disco Dourado, que ficou a cargo de Nick Sagan, filho de Carl Sagan com a artista Linda Salzman, que diz que o melhor exemplo de sua “infância surreal” era ver lançamentos de foguetes ao invés de brincar no parquinho.

Foi durante a infância de Nick que Carl, então já bem estabelecido como diretor do Laboratório de Estudos Planetários da Universidade Cornell, começou a adquirir o status de figura pública. O apelo popular do Disco Dourado e a credibilidade de ganhar um Pulitzer no mesmo ano chamaram a atenção da mídia.

O foco na carreira, porém, desgastou o casamento com Salzman, que logo acabaria. No desenvolvimento do Disco Dourado, Sagan se apaixonou pela diretora criativa do projeto, sua terceira e última esposa, com quem permaneceu até o fim da vida: Ann Druyan, produtora e escritora que, não só aceitava os trabalhos do marido, como colaborava com eles.

“Ele deu sorte com uma mulher que era capaz de aceitar que ele era esse incurável workaholic”, destaca o biógrafo William Poundstone.

Sagan percebeu desde cedo que não era capaz de limitar seus interesses a rótulos da academia. Desde criança, fomentava também fascínio pela origem da vida, o que o fez se aproximar da biologia. Foi neste contexto que conheceu a primeira esposa, a bióloga Lynn Margulis, com quem teve dois filhos. Ao longo da carreira, publicou artigos científicos detalhando modelos de como poderia ser a vida em outros mundos e, com esses estudos, ajudou a fundar o campo multidisciplinar da astrobiologia.

Outra grande contribuição de Sagan foi na área da ciência planetária: ele fez um doutorado com uma tese sobre o funcionamento da atmosfera de Vênus.

“Ele ensinava a seus alunos que planetas são lugares, verdadeiramente outros mundos. Nos encorajava a pensar como seria a sensação de estar nesses outros mundos”, diz o astrofísico David Morrison, que esteve entre esses estudantes e hoje é Cientista Sênior da NASA.

Carl Sagan também foi consultor e colaborador da NASA, e se envolveu em uma polêmica que diz muito sobre como ele via a democratização da ciência. Quase nenhum cientista da agência acreditava que as sondas deveriam ter câmeras fotográficas.

“Sagan insistiu que o público estava pagando pelas missões, e que ele se relacionaria com as fotos, não com palavras ou números. Ele finalmente convenceu os que duvidavam. Então, toda vez que você olhar para uma imagem dos planetas em alta resolução, isso é um legado de Sagan”, diz William Poundstone.

Mas há sobretudo duas pessoas que são herdeiras diretas desse legado, ambas responsáveis pela continuação atualizada de Cosmos, que foi ao ar em 2014: a própria Ann Druyan, hoje presidente da Fundação Carl Sagan e produtora executiva da nova série, e o astrofísico carismático Neil deGrasse Tyson, a quem coube a apresentação da nova versão.

O astrofísico Neil deGrasse Tyson, apresentador da nova versão de Cosmos.

Tyson sempre conta que em 20 de dezembro de 1975, exatos 21 anos antes da morte de Sagan, quando era só mais um jovem de 17 anos do Bronx tentando escolher onde estudar, foi recebido pelo próprio Sagan em Cornell. O astrônomo lhe mostrou a universidade e depois o levou à estação de ônibus. Como nevava muito, Sagan lhe deu o número de telefone da própria casa e pediu que ligasse em caso de imprevisto para passar a noite com sua família.

“Tenho o dever de responder aos estudantes que estão fazendo perguntas sobre o universo da mesma forma como Carl Sagan me respondeu”, disse Neil deGrasse Tyson.

Linha do Tempo

Carl Sagan casou-se três vezes e teve cinco filhos. Ao longo de sua brilhante carreira, criou áreas de estudo, foi influente na NASA e inspirou milhões de pessoas no mundo todo. Veja momentos marcantes da vida do astrônomo.

1934 – Sagan nasce no Brooklyn, em Nova York. Estuda em escolas públicas e desde cedo ama livros de ciência. Aos 5 anos, visita a Feira Mundial de Nova York, evento futurista que o impressiona muito.

1951 – Ganha bolsa integral para estudar física na Universidade de Chicago. Lá conhece a bióloga Lynn Margulis, com quem tem dois filhos: o escritor Dorion Sagan e o programador Jeremy Sagan.

1960 – Obtém o doutorado em astronomia com tese sobre a atmosfera de Vênus. Nos anos seguintes, firma-se como consultor e conselheiro da NASA, influenciando diretamente no programa espacial.

1963 – Separa-se de Margulis e passa a dar aulas de astronomia em Harvard. Logo se torna figura popular entre os alunos, mas os interesses por questões exóticas despertam desconfiança dos colegas.

1968 – Muda-se para a Universidade Cornell, onde ficaria até o fim da vida. Lá desenvolve novas disciplinas: ciência planetária e astrobiologia. Casa-se com Linda Salzman e, dois anos depois, nasce Nick.

1977 – São lançadas as sondas Voyager. Sagan lidera a equipe do Disco Dourado, cápsula do tempo com registros da espécie humana, e conhece Ann Druyan, diretora criativa do projeto e sua futura esposa. O livro Os Dragões do Éden, onde discorre sobre a evolução da inteligência humana, ganha o Pulitzer de não ficção. Começam as aparições recorrentes em programas de TV e capas de revistas.

1980 – Cosmos vai ao ar pela PBS, aclamada por público e crítica. Casa-se com Ann Druyan, escritora e produtora da série, com quem tem dois filhos, Sasha e Samuel.

1985 – É publicado Contato, seu único romance, sobre uma mensagem de rádio de uma civilização alienígena que é recebida pela humanidade. Sagan também se dedica à luta contra o uso de armas nucleares.

1996 – Morre em 20 de dezembro, aos 62, em Seattle, com complicações derivadas de pneumonia. Dois anos antes, fora diagnosticado com mielodisplasia, doença que impede o desenvolvimento das células da medula óssea.