A noite em que os “marcianos” invadiram o Equador

Na noite de 12 de fevereiro de 1949, os 'marcianos' desembarcaram em Quito, capital do Equador.

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Naquele ano distante, Quito era uma pequena cidade de 250.000 habitantes no alto dos Andes, próxima a um vulcão e cercada por montanhas nevadas, que manteve seu charme colonial espanhol com casas caiadas de branco, ruas estreitas e igrejas magníficas.

Na Era Pré-Televisão, as principais fontes de entretenimento eram o cinema e o rádio. A estação favorita era a Rádio Quito, que, além dos programas de música, tinha as “Novelas de Rádio”.

Em 1949, dois executivos de programação da Rádio Quito, em busca de entretenimento de vanguarda, decidiram transmitir uma versão equatoriana de “A Guerra dos Mundos”.

 

Quando Orson Welles levou ao ar o programa nos Estados Unidos, em 1938, ele criou pânico generalizado e levou milhares de ouvintes a acreditar que os marcianos invasores espalhavam morte e destruição por Nova Jersey e Nova York.

O pânico persistiu, mesmo com anúncios durante a transmissão de que era apenas uma dramatização da história clássica de H.G. Wells. Mas 11 anos depois, em Quito, a estação de rádio não fez tal anúncio. Um erro grave.

Naquela fatídica noite, a maioria das casas em Quito estava sintonizada na estação favorita da cidade. Uma dupla famosa tocou uma música folclórica equatoriana, e no meio da apresentação, um locutor apareceu com “notícias urgentes”. Ele dizia que “discos voadores marcianos” haviam pousado em Latacunga, uma cidade a cerca de 40 quilômetros ao sul de Quito.

Sem fôlego, ele proclamou que os marcianos com seus “raios da morte” haviam destruído Latacunga e que as hordas alienígenas estavam agora se dirigindo para Quito.

Um outro “repórter” fazia um relatório de Cotocollao, área perto do aeroporto de Quito, comunicando como os marcianos haviam destruído a base da Força Aérea do Equador. Esse relato terminou abruptamente quando o repórter arfou por ar, enquanto uma nuvem de “gás mortal” o envolvia.

Outro “repórter”, que afirmava estar no topo do prédio do banco La Previsora, o mais alto de Quito, e descrevia os “monstros” que causavam destruição a caminho da cidade.

Para aumentar ainda mais o “realismo mágico” do evento, atores que se apresentavam como funcionários do governo emitiam “comunicados” pedindo que mulheres e crianças evacuassem a cidade e que os homens permanecessem nela para ajudar a combater os invasores.

O pânico tomou conta de Quito.

A polícia e os bombeiros foram enviados para a área do aeroporto para confrontar os alienígenas. Cadetes da escola militar receberam ordens de assumir posições de batalha ao longo do perímetro.

Homens, mulheres e crianças, ainda vestidos com roupas de noite, saíam às ruas. Alguns tentaram deixar a cidade, outros buscaram refúgio nas muitas igrejas que abriram suas portas.

Convencidos de que era o “fim do mundo”, milhares de pessoas tentavam confessar seus pecados. Um padre, supostamente instruiu um grupo de fiéis a confessar seus pecados em voz alta, para que ele pudesse lhes dar uma absolvição em massa, o que muitos teriam feito, confessando infidelidades e outras transgressões.

Demorou um pouco, mas, eventualmente, os executivos de programação da Rádio Quito perceberam que sua reencenação de A Guerra dos Mundos, de Orson Welles, havia ido longe demais.

Eles anunciaram, então, que era apenas uma dramatização, que tudo era ficção, que não haviam marcianos e que Quito estava segura.

Nesse momento a comédia terminou e a tragédia começou. Em vez de acalmar as águas turbulentas, o anúncio provocou enorme indignação entre a população.

Uma multidão marchou em direção ao prédio que abrigava a Rádio Quito e o principal jornal de Quito, El Comercio. Eles jogaram pedras e alguns trouxeram gasolina e incendiaram o prédio.

Notícia da destruição do prédio da Rádio Quito e do jornal El Comercio.

Para contextualizar o pânico e sua subsequente raiva, deve-se entender que apenas oito anos antes, em 1941, as forças militares peruanas invadiram as províncias do sul do Equador em uma guerra por território disputado por ambos os países e, para resolver essa guerra, o Equador cedeu grande parte de suas florestas orientais ao Peru. Como consequência, o então presidente do Equador foi deposto e o país sofreu com revoltas políticas e golpes de Estado durante um período de quatro anos.

Para aqueles que marcharam rumo à estação da Rádio Quito, o medo de uma invasão era muito real e eles sentiram que a farsa da rádio era um insulto cruel às suas famílias e sua dignidade.

Furiosos, os manifestantes ignoraram as centenas de pessoas inocentes que trabalhavam nos escritórios do jornal e na estação de rádio. Só podemos imaginar seu terror, enquanto tentavam escapar do fogo, pulando pelas janelas ou para os prédios vizinhos.

Bombeiros e policiais tiveram sua chegada atrasada, porque tiveram que retornar da área do aeroporto, para onde haviam sido enviados para combater os “marcianos”.

O fogo foi finalmente apagado, mas o edifício foi destruído. O número de vítimas varia, algumas histórias dizem seis, a revista “Time” contou quinze e, outras publicações, chegaram a vinte mortos.

Em uma demonstração de solidariedade, o outro jornal de Quito, El Dia, ofereceu-se generosamente para compartilhar suas instalações com o El Comercio. Eventualmente, a Rádio Quito e o El Comércio foram reconstruídos em outra área da cidade e permanecem até hoje.

Após a tragédia, houve histórias, talvez lendas urbanas, de vários divórcios, separações e ações judiciais, como consequência das informações obtidas através das confissões em massa.

Os executivos do programa de rádio de Quito perderam o emprego e foram processados. Um deles se escondeu e fugiu para outro país.

Quanto aos quitenhos, eles ganharam um novo apelido e, por algum tempo, foram zombados por outros equatorianos, que os chamavam de “Los Marcianos”.

Ouça, abaixo, um trecho da fatídica transmissão: