Em busca da sua origem, pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP analisaram o magnetismo de uma rocha coletada na caverna Pau D’Alho, localizada no Estado de Mato Grosso.
Os cientistas descobriram que a anomalia é recorrente, possivelmente originária da África, e provocada por variações no fluxo térmico dentro da Terra.Os resultados do trabalho são apresentados em artigo da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), nos Estados Unidos, publicado em dezembro de 2018.
O campo magnético terrestre é semelhante ao de um ímã de barras, como se estivesse centralizado no interior do planeta. Ele é gerado no núcleo externo, a partir da lenta movimentação de uma liga metálica rica em ferro, no estado líquido. “A anomalia ocupa parte significativa do sul do Atlântico e da América do Sul, sendo a mais importante registrada atualmente”, aponta o professor Ricardo Trindade, do IAG, que coordenou a pesquisa, juntamente com o aluno de doutorado Plinio Jaqueto. “Ela é responsável pela assimetria do campo magnético terrestre, fazendo com que ele seja mais variável do Hemisfério Sul, em relação ao Hemisfério Norte.”
Trindade destaca que a anomalia também é a principal responsável pelos riscos espaciais. “Ela facilita a entrada de partículas carregadas do vento solar de fora da Terra, o que aumenta o perigo de acidentes envolvendo satélites artificiais em órbita, voos espaciais e intercontinentais”, afirma. “O trabalho buscou responder três grandes questões: Quando a anomalia surgiu? Qual a sua causa? Ela é recorrente em milhares de anos, sempre vai ocorrer?”
Em 2015, o pesquisador John Tarduno, dos Estados Unidos, sugeriu que o fenômeno surgia em função de uma anomalia térmica na interface entre o manto e o núcleo da Terra, que provocava um maior fluxo magnético. “Estudos com solos queimados na África mostraram que em certos períodos aconteciam variações muito rápidas do campo magnético”, relata o professor. “Para estudar o fenômeno na América do Sul, havia uma dificuldade causada pela falta de dados, pois não há registros no continente anteriores à chegada dos europeus, no século XVI.”
Caverna
Os pesquisadores utilizaram no trabalho um material pouco analisado em estudos sobre a evolução do campo magnético terrestre, as estalagmites. “Esse tipo de rocha se forma em cavernas, de baixo para cima”, conta Trindade. A pesquisa utilizou uma estalagmite da coleção do Instituto de Geociências (IGc) da USP, em colaboração com o grupo do professor Francisco Cruz. “Ela se formou há 1.500 anos, na caverna Pau D’Alho, que fica no município de Rosário Oeste, em Mato Grosso, onde foi coletada.”.
No IGc, as estalagmites são empregadas em estudos sobre variações paleoclimáticas, dos quais, por meio de medidas químicas, podem se obter as oscilações do clima na América do Sul nos últimos 500 mil anos. “Neste trabalho, foi medida a variação do campo magnético, por meio de um magnetômetro muito sensível, já que as amostras possuem pouco material magnético”, descreve o professor do IAG. “Com base nas medições, seria possível saber quantas vezes a anomalia ocorreu, se é recorrente.”
A análise revelou que as variações rápidas do campo magnético no Atlântico Sul, além de serem recorrentes, acontecem 200 anos depois de seu registro na África. “A anomalia surge na África, causada pela variação de fluxo na interface do manto com o núcleo terrestre existente sob aquele continente”, relata o professor, “e migra na direção Oeste, para a América do Sul, em função da rotação da Terra.”
Segundo o professor, a partir dos dados obtidos no estudo, será possível melhorar os modelos de previsão de variações anormais do campo magnético numa escala de longo período. “A pesquisa traz um modelo sintético que mostra um mecanismo que geraria a anomalia”, diz. “Compreender sua evolução ajudará a estudar os seus efeitos no futuro e os riscos para satélites e voos intercontinentais e espaciais.”
As conclusões do trabalho são descritas no artigo Speleothem record of geomagnetic South Atlantic Anomaly recurrence. O texto foi publicado em 10 de dezembro, nos Estados Unidos, na revista científica PNAS.