Cientistas brasileiros apontam que planetas orbitando estrelas ‘gêmeas’ do Sol podem ter vida

A pesquisa sugere condições geológicas favoráveis para o surgimento e manutenção da vida em planetas rochosos que eventualmente orbitam esses astros e que ela poderia estar espalhada por toda a galáxia.

Concepção artística do recentemente descoberto planeta gigante gasoso gêmeo de Júpiter em órbita de uma estrela gêmea do Sol, HIP 11915 — Foto: ESO/M. Kornmesser
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O ser humano pode não estar só na galáxia da Via Láctea. Pelo menos é a possibilidade que se abre com os resultados de um estudo com 53 estrelas gêmeas do Sol, realizadas por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), publicado recentemente na publicação científica Monthly Notices of Royal Astronomical Society (MNRAS).

A pesquisa sugere condições geológicas favoráveis para o surgimento e manutenção da vida em planetas rochosos que eventualmente orbitam esses astros. E que ela poderia estar espalhada por toda a galáxia e ter se originado em qualquer época de sua evolução.

 

Para chegar a essa conclusão, os cientistas avaliaram a abundância de tório (232Th) nas gêmeas solares pesquisadas, localizadas numa distância entre 50 e 300 anos-luz do Sol (um ano-luz é a distância percorrida em ano pela luz no espaço, o que equivale a cerca 9,5 trilhões de quilômetros).

Isso foi feito por meio da análise de espectros ópticos de alta qualidade e resolução em comprimento de onda, coletados utilizando um espectrógrafo ultraestável, chamado HARPS, que está instalado no telescópio de 3,6 m do European Southern Observatory (ESO), no Chile.

Embora o tório não seja o único elemento determinante, esse químico radioativo é um dos requisitos para o surgimento, evolução e manutenção da vida num determinado mundo. Para que isso ocorra, além da presença dele, é necessário que a órbita do planeta esteja na zona habitável ao redor da estrela, ou seja, a uma distância dela em que água possa se manter líquida.

Segundo o pesquisador André de Castro Milone, da Divisão de Astrofísica do Inpe, orientador do doutorando Rafael Botelho, primeiro autor do artigo, outros requisitos para o surgimento da vida num planeta é a existência de uma atmosfera presa pela gravidade e de um campo magnético para protegê-lo do fluxo de partículas energéticas e nocivas aos seres vivos emitidas por sua estrela hospedeira.

“Também é fundamental que ele seja geologicamente ativo, como a Terra, com terremotos e vulcões, que proporcionam o chamado ciclo do carbono, que mantém a temperatura do nosso mundo adequada à vida.” Isso só é possível graças ao tectonismo de placas.

O globo terrestre é feito de camadas como, a grosso modo, uma cebola. No centro fica o núcleo, cujo ponto central está a uma profundidade de cerca de 6.370 quilômetros, com uma temperatura de 6.000 ºC, semelhante a da superfície do Sol. Acima dele vem o manto, de consistência pastosa, parecida com a de um asfalto quente, com uma espessura de cerca de 2.950 km e 100 ºC em sua parte superior e 3.500 ºC na mais profunda, na interface com o núcleo. Trata-se do magma, que pode ser visto quando expelido por vulcões.

Ele é recoberto pela crosta, a camada mais superficial e menos espessa do planeta, na qual vivemos, com uma média de 40 km de profundidade. Junto com a parte superior do manto, sólida, ela forma a litosfera, com 100 km de espessura, que, por sua vez, está dividida em gigantescas placas rochosas, chamadas tectônicas, que flutuam sobre o manto de magma, carregando oceanos e continentes.

Existem 10 dessas grandes jangadas de pedra – Africana, Antártica, Arábica, Eurasiática, das Filipinas, Indo-Australiana, de Nazca, Norte-Americana e do Caribe, do Pacífico e Sul-Americana, – e várias outras menores. São essas estruturas que modelam a superfície da Terra, erguendo montanhas e causando terremotos e tsunamis, quando se chocam. O que faz essas placas flutuarem e se movimentarem sobre o manto é um fenômeno chamado convecção, que é um movimento ascendente ou descendente de matéria num fluído devido ao calor.

A parte amarela é o manto, composto por rochas derretidas, e expelido por vulcões; a parte semicircular mais clara representa a convecção, movimento ascendente ou descendente de matéria num fluido (no caso o manto, ou magma) aquecido; as erupções vulcânicas liberam na atmosfera dióxido de carbono e metano, responsáveis pelo efeito estufa, que mantém a temperatura do planeta adequada à vida — Foto: Melisa de Andrade/IAG-USP

É aí que entra o tório. “Trata-se de um elemento instável, cujo decaimento radioativo (transformando-se em outro elemento – no caso, rádio – e liberando energia no processo), junto com o urânio (U) e o potássio (K), que tem fornecido e fornecerá para o interior da Terra por bilhões de anos metade da energia (a outra metade vem do resfriamento secular de todas as camadas internas do planeta) necessária para manter a convecção do manto e o tectonismo das placas continentais”, explica Milone.

Isso induz o ciclo de carbono, por meio da liberação de CO2 (dióxido de carbono) em grandes quantidades e metano (CH4) em bem menores, que tornam possível a estabilidade térmica na atmosfera do globo, dando condições naturais para o aparecimento e evolução da vida em escala de bilhões de anos.

“Portanto, as concentrações iniciais desses elementos num planeta rochoso contribuem de modo indireto para a habitabilidade em sua superfície, especialmente devido aos seus tempos longos de decaimento (escalas de bilhões de anos)”, diz Milone.

As gêmeas solares estudadas pela equipe do Inpe têm diferentes idades bem determinadas desde 500 milhões a 8,6 bilhões de anos. “Por isso, podemos acompanhar a abundância do tório ao longo do tempo de evolução da Galáxia, como também em estrelas similares ao Sol”, explica Milone.

“Outro trabalho, realizado por pesquisadores americanos, já havia observado que nosso astro é ligeiramente deficiente em tório em comparação com 13 gêmeas suas (sete em comum com nosso estudo), mostrando que tais astros, caso possuam planetas rochosos, proporcionariam reservatórios de energia interna a eles suficientes pra o surgimento da vida.”

Em outras palavras, a pesquisa mostrou que há uma grande quantidade de energia disponível devido ao decaimento de tório para manter a convecção do manto e o tectonismo em potenciais planetas rochosos que possam existir em torno de gêmeas solares.

“O mais empolgante é que parece que esse elemento também é abundante em gêmeas solares velhas, significando que a Galáxia pode estar repleto de vida, tanto no espaço quanto no tempo”, diz Botelho.

Além disso, de acordo com estimativas de Milone e de Jorge Luis Melendez Moreno, do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), da Universidade de São Paulo (USP), devem existir cerca de 100 milhões a 1 bilhão de estrelas relativamente parecidas ao Sol na Galáxia.

“Isso é apenas uma ordem de grandeza, baseado em uma extrapolação do que conhecemos a partir de estudos da vizinhança solar”, ressalva Melandez.

Outra estimativa do grupo é de que cerca 5% das gêmeas solares poderiam ter sistemas planetários parecidos com o nosso (planetas rochosos relativamente próximos ao Sol e gigantes gasosos distantes).

“Assim, ‘chutamos’ que existam entre 5 milhões e 50 milhões de sistemas planetários similares ao solar na nossa galáxia”, diz Milone. “Parece que não estamos sós nela e consequentemente no Universo. Contudo, é bom ressalvar que os resultados do nosso trabalho abrem apenas possibilidades para existência e manutenção da vida, e não detecção de vida extraterrestre em si.”